O que é ser machista

O que é ser machista

Já tem um tempo que não raro escutamos alguém dizer que alguma coisa ou pessoa é machista. E as situações em que esse termo aparece são as mais variadas possíveis, assim como seus contextos e protagonistas. Tamanha presença desse termo no nosso vocabulário é reflexo de como a nossa sociedade está estruturada e construída.

Quer dizer, ser machista é reproduzir ou agir seguindo a lógica do machismo, certo? Mas que lógica é essa? Como saber se alguma situação realmente trata-se de um machismo? Para que você possa se expressar com assertividade e segurança quando o assunto são as questões de gênero e seu sistema de dominação masculina, neste post de Psicologia-Online debatemos o que é ser machista, como identificar uma situação do tipo e se desconstruir. Boa análise!

Machismo

Para entender o que é ser machista, é fundamental compreender o amplo conceito de machismo. Não é difícil perceber o que essa expressão tem origem na palavra 'macho', só que o significado vai muito além. De maneira muito resumida, o machismo é um conjunto estrutural de práticas sociais e representações ideológicas que estão diretamente relacionadas à concepção da masculinidade hegemônica, patriarcado e dominação masculina:

  • Masculinidade 'hegemônica': é a ideia de que existe uma masculinidade dominante, superior, heroica e autossuficiente. Esse conceito também pode se apoiar na sua tríplice negação, ou seja, em tudo aquilo que o homem deve ser: uma mulher, uma criança ou uma pessoa homossexual.
  • Patriarcado: é o sistema social que privilegia e enaltece a masculinidade branca heterossexual e reforça os papéis de gênero.
  • Dominação masculina: é a linha de pensamento que sustenta a masculinidade hegemônica, o patriarcado e, por sua vez, o machismo. O sociólogo Pierre Bourdieu foi quem trabalhou esse conceito em um livro homônimo publicado em 1990. Segundo o teórico, a dominação masculina nem sempre tem a ver apenas com as distinções de gênero homem-mulher, se não com todas aquelas diferenças que hoje em dia representam oposições, como por exemplo, rico e pobre (diferença de classes), colonizador e colonizado, dentre outras e o resultado desigual de suas relações dicotômicas.

Deixemos bem claro também que o machismo não é o oposto de feminismo. Apesar de serem palavras estruturadas da mesma maneira utilizando substantivos que representam gêneros diferentes, o feminismo é um movimento de libertação que visa alcançar a justiça de oportunidades e direitos para as mulheres em relação aos homens. Já o machismo é uma estrutura social a qual já nascemos dentro, e atualmente vivenciamos, que promove a desigualdade entre pessoas de sexos diferentes.

Machismo na sociedade

O machismo é uma característica tão impregnada e estruturada na sociedade que se manifesta em todas as classes sociais e culturais, com características diferentes. Explicamos como ele pode se manifestar como fenômeno cultural de maneiras diferentes no post que explica o que é a cultura machista.

O que é ser machista

É muito mais fácil entender o que não é ser machista do que ao contrário. Isso porque, como explicamos, o machismo está tão estruturado e impregnado na sociedade patriarcal que desde o momento em que nascemos vivemos uma normalização da dominação masculina e seus desdobramentos como os papéis de gênero, estereótipos, educação sexual, dentre outros.

Ao pé da letra, ser machista é se beneficiar dos privilégios que esse conjunto dá ao lado opressor ou reproduzir esse tipo de comportamento. Acontece que é bem possível que o machismo se manifeste de maneira inconsciente em cada pessoa. Ou seja, as pessoas são machistas, mas não sabem que são ou percebem.

Ser machista pode ser algo consciente ou não e nem sempre está associado à pessoas. Sistemas podem ser machistas, leis, imposições, produtos da industria cultural, dentre tantas coisas. O machismo pode e deve ser apontado, mas não precisa ser encarado como uma ofensa, basta ser consciente que nascemos em uma sociedade machista e precisamos estar com a cabeça aberta para desconstruir essas ideias.

A desconstrução

Partindo do ponto de que todos nascemos em uma sociedade machista, ao invés de apontar níveis de machismo (alguém que é mais ou menos machista), faz mais sentido pensar em pessoas mais ou menos desconstruídas desse machismo. A desconstrução é um processo de autocrítica, introspecção e aprendizado para entender que aquilo que parece normal, na verdade não é.

Como o machismo afeta os homens

O machismo sofrido pelas mulheres é muito mais escancarado, mas nem todo mundo sabe que o machismo também afeta os homens e pode gerar um complexo de inferioridade em relação às características exaltadas pelo sistema patriarcal e a masculinidade hegemônica. Alguns exemplos são essas ideias de que os homens não podem chorar ou demonstrar medo e outros sentimentos, a fertilidade como demonstração de masculinidade e virilidade, dentre outros aspectos daquilo que hoje também chamam de masculinidade tóxica.

Como o machismo afeta as mulheres em números

Mas os números não mentem e as mulheres são as principais vítimas, quando falamos de mulheres racializadas, que não são heterossexuais ou cis-gênero, essas estatísticas são ainda mais alarmantes. Esses são alguns dados relacionados à desigualdade e violência de gênero publicados pela Agência Gênero e Número[1] e Agência Patrícia Galvão [2] que escancaram a mortalidade do machismo e suas consequências em relação às mulheres e suas interseccionalidades (gênero, raça, classe, identificação e orientação sexual):

  • Em 2017, 67% das vítimas de agressão física no Brasil eram mulheres;
  • Em 2018, o Brasil registrava uma média de 135 estupros por dia;
  • Em 2018, a taxa de homicídios é 71% maior em mulheres negras do que brancas;
  • Em 2019, 97% das mulheres em uma pesquisa afirmou já ter sofrido assédio sexual em meios de transporte;
  • 3 mulheres são vítimas de feminismo a cada dia;
  • A cada 2 minutos uma mulher registra agressão sob a Lei Maria da Penha.

Confira outros dados relacionados à machismo e desigualdade de gênero no post que explica o que é igualdade de gênero, exemplos e argumentos.

Como identificar uma pessoa ou algo machista

O contexto e as interseccionalidades são fatores decisivos na hora de identificar um ato, fala ou pessoa machista. Se você se identifica como homem, não hesite em perguntar a uma mulher sobre como ela se sente em relação aquela situação. Escute ativamente e respeite o lugar de fala.

De qualquer forma, essas são algumas perguntas que podem ser feitas diante da situação para encontrar aquilo que 'cheira a machismo':

  • Se invertêssemos os gêneros nos papéis dessa situação, aconteceria a mesma coisa?
  • Existe alguma forma de autoritarismo, superioridade ou dominação nas relações e atos presentes na situação?
  • Todas as pessoas presentes têm ou tiverem as mesmas oportunidades?
  • Existem funções, estereótipos e papéis pré-determinados nessa situação? Quais e por quê?

Desconstrua(-se)

As questões acima servem como guia para uma discussão sobre o tema e identificação de atitudes, ideias e pessoas machistas. Em caso positivo, tome as medidas necessárias (assistência à vítima, denúncia...) e pratique a desconstrução. Esse processo consiste em:

  • Questionar o grupo dominante e seus privilégios;
  • Autocrítica e introspecção pessoal: pense sobre os referentes masculinos que você teve ao longo da vida;
  • Se você faz parte dessa grupo dominante opressão, experimente olhar para essa situação sob o ponto de vista da vulnerabilidade, com empatia;
  • Reconheça os seus erros e a dor que essa violência provoca;
  • Siga com a mente aberta para se desconstruir sempre que surgir uma oportunidade;
  • Repasse essas ideias adiante e permita que outras pessoas também possam se desconstruir.

Afinal, o primeiro machismo que deve ser desconstruído é aquele que está dentro de nós.

Este artigo é meramente informativo, em Psicologia-Online não temos a capacidade de fazer um diagnóstico ou indicar um tratamento. Recomendamos que você consulte um psicólogo para que ele te aconselhe sobre o seu caso em particular.

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Referências
  1. GÊNERO E NÚMERO. Mapa da Violência de Gênero. Disponível em: <https://mapadaviolenciadegenero.com.br/>. Acesso em 20 de julho de 2020.
  2. AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO. Disponível em: <https://agenciapatriciagalvao.org.br/>. Acesso em 20 de julho de 2020.
Bibliografia
  • GIRALDO, Octavio. Revista Latinoamericana de Psicologia. VOLUMEN 4 - NIº 3, p. 295-309 El Machismo Como Fenomeno Psicocultural. 1972. Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/805/80540302.pdf/>. Acesso em 16 de julho de 2020.
  • GÊNERO E NÚMERO. Mapa da Violência de Gênero: Mulheres são quase 67% das vítimas de agressão física no Brasil. 11 DE JULHO DE 2019. Disponível em: <http://www.generonumero.media/mapa-da-violencia-de-genero-mulheres-67-agressao-fisica/>. Acesso em 20 de julho de 2020.