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Psicologia e espiritualidade: relação, diferença e benefícios

 
Equipe editorial
Por Equipe editorial. 24 agosto 2020
Psicologia e espiritualidade: relação, diferença e benefícios

Existem algumas questões existenciais, como qual é a origem do universo, da vida, da consciência e se há vida após a morte, que deixam um grande número de pessoa inquietas e para as quais ainda não temos uma resposta empiricamente constatada e validada. A necessidade de eliminar esta inquietação e o medo que ela provoca, levam essas pessoas a buscarem respostas, seja através da ciência, seja através da metafísica espiritualista. Por que o ser humano precisa encontrar respostas? Como a psicologia e a espiritualidade podem nos ajudar?

Neste artigo de Psicologia-Online, falaremos sobre a relação entre psicologia e espiritualidade, suas diferenças e semelhanças. Também iremos expor os benefícios da inteligência espiritual e indicar como trabalhá-la.

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Ciência e espiritualidade

A posição cientificista se ampara nos conhecimentos e teorias científicas e no acaso como explicação destas questões. Para seus seguidores, as propriedades da matéria e as leis da natureza são suficientes para explicar a mecânica do cosmos (mesmo que existam fatos evidentes que estas não conseguem explicar).

Por outro lado, a tradição metafísica se expressa através da espiritualidade, entendida como o conjunto de crenças e práticas baseadas na convicção absoluta de que existe uma dimensão não material da vida, ajudando a pessoa a encontrar respostas para aquilo que não é possível ser explicado por meio da ciência e da razão. Implica no conhecimento e na aceitação da essência imaterial de si mesmo.

Relação entre psicologia e espiritualidade

A espiritualidade geralmente está ligada a disciplinas como a religião, a filosofia ou a neurologia (o neurologista V. Ramachandran demonstrou que pessoas mentalmente sadias passam por um aumento de atividade no lóbulo temporal quando são expostas a palavras ou temas espirituais). Atualmente, também é objeto de atenção da psicologia, de maneira mais direta na psicologia transpessoal e na humanista (onde temos como referências A. Maslow, G. Allport e C. Rogers) que incluem a espiritualidade como parte de uma concepção integrada e multidimensional do ser humano (como uma realidade bio-psico-sócio-espiritual).

Dentro do âmbito da psicologia, os psicólogos Koenig, McCullough e Larson apontam a espiritualidade como sendo a busca pessoal para entender as respostas às perguntas últimas da vida, seu significado e a relação com o sagrado ou o transcendente, que pode ou não conduzir ao desenvolvimento de rituais religiosos e a formação de uma comunidade.

A relação entre psicologia e espiritualidade se justifica pelo fato de que a experiência das questões existenciais é produzida através de fenômenos mentais como a meditação, os estados de consciência, a introspecção, as experiências místicas, a autotranscendência, a autorrealização, etc., que são matéria de estudo da psicologia. Não obstante, a essência desta relação repousa em duas perguntas básicas:

  • Por que o ser humano precisa ter respostas às questões existenciais para configurar sua espiritualidade?
  • O que a psicologia pode somar na espiritualidade da pessoa?

Por que o ser humano precisa de respostas?

O ser humano tem uma tendência a viver em um estado mental equilibrado, sossegado e plácido, que o permite viver em harmonia consigo mesmo e com seu entorno, mas em muitas pessoas este estado é alterado pela inquietação, provocada pelo fato de não ter uma resposta satisfatória às perguntas vitais. Esta inquietação de origem psicológica nasce de duas exigências da natureza humana, que tem a ver com a sobrevivência e sua relação com o meio externo:

A necessidade de significado

A necessidade de que as coisas tenham um sentido, um significado (incluindo a própria vida), que os impulsiona a descobrir e dar uma explicação para tudo o que o rodeia (porque, como e para que as coisas acontecem), e para isso precisa adquirir cada vez mais conhecimentos.

Sobre esta necessidade, cabe ressaltar que o ser humano tem, por natureza, curiosidade e ânsia de conhecimento (está relacionado com o princípio da razão descrito de forma suficiente pela filosofia, que afirma que tudo o que existe possui um motivo que explica sua existência, e leva o homem a se perguntar as razões que sustentam o entorno que o rodeia) e, nesta ânsia de saber, utiliza suas faculdades mentais para conseguir (inteligência, memória, criatividade, intuição, etc.). Neste aspecto, Martin Seligman considera a sabedoria e o amor pelo conhecimento (curiosidade e interesse pelo mundo, interesse pela aprendizagem, pensamento crítico e mentalidade aberta) como virtudes necessárias para alcançar o bem-estar.

Para obter uma explicação e um sentido para o mundo onde vivemos, recorremos principalmente ao programa mental que rege a relação de causa e efeito, que parte da premissa de que todos os fenômenos observados possuem uma causa (um motivo para existir), e para conhecer esta causa é necessário informação. Se tivéssemos acesso de toda a informação necessária sobre estas questões, talvez poderíamos encontrar uma resposta válida às mesmas através da racionalização, da observação e da experimentação. Mas o problema é que atualmente carecemos de uma informação completa e verídica, e esta carência nos impede de conhecer a verdade absoluta sobre elas e nos inclina a criar numerosas teorias e hipóteses para supri-la.

A necessidade de segurança

A necessidade de se sentir seguro em seu mundo, que implica conseguir controlar a si mesmo e o meio externo com que se relaciona. O ser humano precisa se relacionar com o meio em que vive, mas se dá conta de que não tem controle de si mesmo nem de seu entorno. Não pode evitar doenças ou o envelhecimento, não pode evitar de ter emoções negativas e sofrimento diante de situações desagradáveis, nem pode se esquivar dos fenômenos físicos que originam catástrofes. Esta situação mostra sua debilidade e impotência, e a incapacidade de controlar seu destino, gerando medo e inquietação, assim como a necessidade de ter um "algo" em que buscar apoio e segurança. Por outro lado, se impressiona com a perfeita organização do universo, que funciona com suas próprias leis, e da maravilhosa complexidade da vida, o que o induz a pensar que deve existir um "algo" superior e onipotente (um ente organizador e controlador: Deus, o cosmos, a natureza, uma energia cósmica, uma força sobrenatural, etc.).

A relação entre a psicologia e Deus

No âmbito da psicologia, esta situação guarda grande semelhança com a figura do apego. O psicólogo John Bowlby aponta que o apego infantil faz parte de uma herança arcaica cuja função é a sobrevivência da espécie, tem sua origem evolutiva na necessidade de proteção frente a predadores ou a solidão e, por isso, impele a procurar por proteção física, demandando do cuidador que o livre completamente dos perigos. Bowlby define o apego como "uma forma de conceituar a propensão dos seres humanos a formar vínculos afetivos fortes com os outros e de estender diversas maneiras de expressar emoções de angústia, depressão e aborrecimento quando são abandonados ou vivem uma separação ou perda".

É possível que a necessidade que muitas pessoas têm de se dirigir a uma entidade ou figura que gere segurança, alento e confiança diante das situações perigosas ou ameaçadoras (e também para oferecer agradecimentos se as coisas vão bem, como gesto de gratidão) seja reflexo desta figura de apego que sobrevive na idade adulta, já que é quando, além do perigo físico, aparecem experiências que também são vividas como um perigo ou ameaça (doenças, separações, demissões, etc. que geram medo, pena, raiva, angústia, solidão, desespero), e um apoio para enfrentá-las é recorrer a um ser superior que seja sensível e receptivo às suas emoções e ofereça consolo para sua aflição (por exemplo, a figura de um Deus paternalista), sobretudo quando a pessoa que sofre vive em sociedade e não tem com ninguém falar e compartilhar suas angústias.

Assim se observa que a figura de apego infantil se transforma paulatinamente em uma dimensão mais psicológica e espiritual. Esta situação já foi advertida em seu tempo por Sigmund Freud, que descrevia o ser humano como: "pequeno e indefeso, mesmo adulto, impotente diante das forças da natureza e da morte, e que se lembra dos tempos em que seu pai o protegia e provia tudo; então e mediante uma "regressão", imagina que existe um ser todo poderoso e se refugia na ilusão de um deus cheio de bondade, passando da regressão para a "sublimação" das figuras parentais".

Benefícios da espiritualidade e a psicologia

Com o que a psicologia pode somar na espiritualidade da pessoa?

Respostas

Está demonstrado que a ciência, a filosofia ou a religião não oferecem respostas claras e indiscutíveis sobre as questões existenciais que sejam válidas para toda a humanidade. Isto tem como consequência o fato de que muitas pessoas não encontram nelas referências consistentes para se apegarem e, por isso, sejam imersas em preocupações e inquietações. Para estas pessoas, é possível que a psicologia seja uma referência para se ancorar na busca das respostas que estas questões exigem, e criar uma espiritualidade que as ajude a alcançar o bem-estar.

Bem-estar

Os psicólogos C. Peterson e M. Seligman consideram a espiritualidade como uma das virtudes humanas que condicionam o bem-estar da pessoa, é uma ferramenta que proporciona a força necessária para enfrentar os acontecimentos negativos que a vida apresenta, e a definem como a capacidade de ter crenças coerentes em relação com o propósito mais elevado, com o significado do universo e o lugar que ocupamos nele, e se refere às crenças que se baseiam na convicção de que existe uma dimensão transcendental da vida.

Sentido de vida

É inquestionável que a psicologia não pode dar resposta para a origem do universo, da vida, ou de se há vida depois da morte, mas pode ajudar a responder a outras perguntas relacionadas, que também fazem parte da dimensão espiritual da pessoa (por exemplo: quem sou, de onde veio e para onde vou (e estão estreitamente vinculadas à busca de um sentido para a vida. Além disso, surgem para todas as pessoas em algum momento de suas vidas, e assim é possível afirmar que fazem parte da essência do ser humano. Assim afirma Viktor Frankl: "A dimensão espiritual é constitutiva do homem e transborda no psicofísico. A falta dela, mesmo não sendo necessário canalizá-la religiosamente, é um sintoma de falta de sentido".

Análise de crenças

Uma observação a se ter em conta é que a preocupação e o medo nascem do desconhecimento, e este se combate descobrindo a verdade. Mas a verdade total e absoluta sobre as questões existenciais não é possível de ser alcançada com os conhecimentos atuais, e o máximo que podemos aspirar é obter verdades parciais que guardem coerência e harmonia entre si e que, em seu conjunto, constituam uma quase verdade. A psicologia pode ajudar a confeccionar o conjunto de verdades parciais que uma pessoa precisa para se sentir segura e confiante (uma verdade particular e subjetiva) por ter à sua disposição recursos cognitivos (análise, dedução, imaginação, pensamento lógico e abstrato, inferência), sentimentos (plenitude, satisfação) e valores (liberdade, prudência, equanimidade, sinceridade, honestidade) mediante os quais você pode avaliar e optar pelas crenças que considere adequadas para construir seu próprio modelo de espiritualidade, que não tem porque necessariamente coincidir com o de outras pessoas ou grupos sociais.

Como construir o próprio modelo de espiritualidade

Uma forma de construir este modelo é introduzi-lo de forma pragmática, entendendo por pragmático aquilo que funciona bem para nós e produz os resultados desejados. Em virtude desta abordagem, se trataria de criar uma "espiritualidade pragmática" na forma de uma construção psicológica que tenha raízes cognitivas e emocionais, fundamentada em crenças amparadas em uma verdade que contém um grau de certeza e credibilidade aceitável e suficiente. Isso vai aproximar a pessoa de um "algo" além da realidade material cotidiana, que confira sentido e valor adicional à sua vida e forças para enfrentar os desafios que se apresentam. Esta forma de espiritualidade exige a aceitação das limitações humanas e a renúncia da busca por uma verdade absoluta, assumindo que precisará conviver com as dúvidas insolúveis que apareçam. A espiritualidade pragmática poderia ser resumida na seguinte expressão:

  • Se o modelo de espiritualidade que eu construí me fortalece, me ajuda e conforta, por que não aceitá-la e segui-la, apesar das dúvidas que vão surgindo?

Para configurar esta espiritualidade, e dado que o caminho a seguir implica na busca de verdades sobre as questões existenciais, você deve levar em conta três princípios:

  1. Mesmo que a ciência não possa assegurar a verdade de todas as coisas, ela pode refutar fatos que algumas instituições podem apresentar como verdades.
  2. Se algo é desconhecido, não implica necessariamente que não exista, pois é possível ser "conhecível", isto é, que é susceptível a ser conhecido no futuro.
  3. Utilizar a intuição (palpite ou sexto sentido) para distinguir instintivamente que informação é crível, e se não é, descartá-la.

Seguindo estes princípios é possível confeccionar um conjunto de crenças que encheriam a espiritualidade de conteúdo. Uma forma de levar este processo a cabo é passar pelo jugo da ciência as crenças conhecidas atualmente e selecionar as que considerar contrastantes e consistentes, que constituirão a estrutura "racional" da espiritualidade. Esta estrutura forjada pelo saber científico, por ser limitada ao conhecimento do mundo físico, deverá ser completada com o componente imaterial da espiritualidade, advindos principalmente dos conhecimentos que a filosofia e a religião possam contribuir e que seja coerente com a estrutura racional, inserindo nela uma transcendência em direção a um "algo" de ordem superior, mais além da materialidade cotidiana, aceitando a intuição de que este "algo" pode existir (que é conhecível), mesmo que não seja possível afirmar sua verdadeira natureza neste momento.

A inteligência espiritual

Além destes princípios e como apoio para construir com êxito esta espiritualidade, o psicólogo Danah Zohar e o psiquiatra Ian Marshall propuseram uma inteligência espiritual, que definiram como "a inteligência com que enfrentamos e resolvemos problemas de significados e valores, a inteligência com a qual podemos colocar nossas atitudes e experiências em um contexto mais amplo e rico de significados e valores, a inteligência com que podemos determinar que um curso de ação ou um caminho vital é mais valioso que outro". Significa experimentar que somos mais que nossos pensamentos e emoções e que, quando acendemos à esta dimensão, tudo é percebido de um modo radicalmente novo. A inteligência espiritual potencializa capacidades como a serenidade, a observação desapegada do que ocorre, a equanimidade, a liberdade interior, a compaixão, etc.

Características da inteligência espiritual

Para estes autores a inteligência espiritual se distingue pelas seguintes características:

  • Possui um alto nível de consciência de si mesmo.
  • Capacidade de ser flexível nas próprias ideias e opiniões.
  • Capacidade de enfrentar e transcender a dor e o sofrimento, e aprender com eles.
  • A capacidade de ver um problema de longe, posicionando-o em um contexto mais amplo.
  • Tendência a ver as relações e conexões entre as coisas (holismo).
  • Relutância em causar danos desnecessários e ter uma empatia profunda.
  • Tendência marcante de compreender as coisas e chegar ao fundo delas, ao porquê delas, a seu sentido, e reivindicar respostas fundamentais.
  • Facilidade para resistir aos critérios das maiorias, manter os princípios e convicções pessoais e agir conforme eles.
  • Ter senso de vocação: se sentir chamado a servir, a dar algo em troca aos outros e ao mundo.

Por outro lado, a forma de manifestar esta espiritualidade (símbolos, rituais, costumes) também dependerá de cada pessoa, sem preconceito de precisar fazer ou não parte de uma comunidade ou credo específico, já que a espiritualidade não está ligada apenas ao religioso, mas é possível ser vivida através de outros âmbitos e outras dimensões, por qualquer pessoa que tenha a necessidade de transcender e de buscar respostas: a prática solitária, o silêncio, a yoga, a contemplação estética, a meditação, o mindfulness, viver conforme a natureza, etc.

Por último, devido a sua relação com esta abordagem, é interessante o que uma escola filosófica grega apontava como caminho adequado a seguir na busca da espiritualidade:

“Um conhecimento completo e exato das grandes questões que preocupam o homem é impossível ou extremamente difícil de adquirir nesta vida, mas não examinar através de todos os meios possíveis o que se fala sobre elas, ou desistir de fazer isso, antes de se ter as considerado sob todos os pontos de vista, é próprio do homem muito covarde, porque o que se deve conseguir a respeito de tais questões é uma destas coisas:

  • Aprender ou descobrir por si mesmo o que há nelas.
  • Se isto é impossível, ao menos tornar a tradição humana melhor e mais difícil de rebater e, embarcando nela como uma balsa, arriscar-se a realizar a travessia da vida, se não for possível fazer com maior segurança e menos perigo, em navio mais firme, como por exemplo, uma revelação da divindade."
Psicologia e espiritualidade: relação, diferença e benefícios - A inteligência espiritual

Este artigo é meramente informativo, em Psicologia-Online não temos a capacidade de fazer um diagnóstico ou indicar um tratamento. Recomendamos que você consulte um psicólogo para que ele te aconselhe sobre o seu caso em particular.

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Bibliografia
  • Bowlby, J. (1997). El vínculo afectivo. Ed. Paidós Ibérica.
  • Freud, S. (1971). El futuro de una Ilusión. Buenos Aires, Ed. Paidós.
  • Koenig, H, McCullough, M. y Larson, D. (2001). Handbook of Religion and Health. Oxford University Press.
  • Peterson, C. y Seligman, M. (2004). Character Strengths and Virtues. Ed. Oxford Press.
  • Zohar, D. y Marshall, I. (2001). Inteligencia espiritual. Ed. Plaza y Janes.

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